"O Doido e a Morte" em estreia

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Ao iniciar a pesquisa para escrever o presente texto, descobri algo de surpreendente: o autor desta peça nasceu e morreu precisamente no mesmo ano do grande poeta e escritor cabo-verdiano Eugénio Tavares, homenageado pelo nosso grupo de teatro há precisamente um ano. Não passa de uma coincidência, mas fiquei radiante com a descoberta, vá-se lá saber porquê!

Quando li a peça pela primeira vez, fiquei muito interessado. E o entusiasmo foi crescendo com os ensaios, porque dito pelos actores o texto é ainda mais imponente. É de uma qualidade imensa e ao mesmo tempo cruel, seco e implacável, perfeitamente adaptável aos tempos modernos, aliás como a própria situação criada comprova, dada a sua triste actualidade.

Basicamente, a situação é muito simples: dois personagens, um poderoso, porque é Governador, calmamente instalado no seu gabinete climatizado, o outro, que entra com uma bomba super potente, anunciando com a maior calma do mundo que passados alguns minutos, irá tudo pelos ares. Traz consigo, diz ele, a morte debaixo do braço.

A estreia desta peça em Portugal, fará no próximo dia 01 de Março oitenta anos exactos, foi marcada por deliciosas intrigas de bastidores, que visavam suprimir a última fala, a fim de «não ofender a decência dos ouvidos das senhoras». Com efeito, o pano chegou a cair antes do final mas, por exigência do intérprete, voltou a subir para que a réplica em causa pudesse então ser dita, conferindo, assim, mais impacto àquilo que, puritanamente, se queria censurar…

A peça foi classificada pelo teatrólogo Luiz Francisco Rebello como «a mais singular e genial obra dramática do século XX português». Este autor refere ainda que Raul Brandão sentia-se atraído pelo teatro e pelo «prestígio enorme» que, nas suas palavras, «quatro tábuas, dois ou três farrapos de lona a cheirarem a tinta exercem sobre todos os homens de imaginação». Estamos perante uma obra que deixa transparecer um sentimento do absurdo ligado ao grotesco gerado pela discrepância entre a realidade e o sonho, entre a grandeza e a abjecção, entre a morte que é a vida e o sonho da eternidade.

Considerada uma pérola da história da dramaturgia portuguesa – e em língua portuguesa - «O Doido e a Morte», é uma farsa existencial, onde talvez faça sentido falar de expressionismo, por se tratar da revolta de um indivíduo perante a crueldade, a incongruência, a abjecção do mundo moderno e porque a obra de Raul Brandão está cheia de «gritos» que fazem com que tenhamos sempre presente o quadro de Munsch, «O Grito».

A encenação inspira-se, precisamente, nesta ideia e neste paradigma. Daí a opção pela utilização das máscaras, o estilo de interpretação, os próprios adereços, figurinos, som e luz. Digamos que toda a plástica da peça, seja ela interpretativa, sonora ou visual, é o retrato de um imenso grito que pode servir, senão para acordar deste estranho sonho que é o presente, pelo menos para nos tornar mais alertas no futuro.

Finalmente, dedico este espectáculo aos actores, pelo esforço, dedicação e pelo enorme desafio que, com trabalho e talento, penso terem sabido ultrapassar.

João Branco

Aplausos: 13 anos de teatro!

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A poucos dias de estrear a sua nova peça "O Doido e a Morte", aquela que é a sua 37ª Produção Teatral, o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo - ICA, comemora o seu 13º aniversário. Com um currículo invejável, porventura o mais rico de toda a história do teatro cabo-verdiano, este grupo de teatro tem conseguido estrear, em média, três peças de teatro por ano, mantendo um nível de qualidade artística reconhecido por todos. Aplausos!


Nascido em 1993, começou por ser um Curso de Iniciação Teatral, nasceu como grupo, sem nunca ter esquecido a vertente da formação, que continua a ser ministrada em paralelo com as actividades do grupo teatral. Assim, o grupo não só vai substituindo os elementos que saem, como permite o aparecimento de outros grupos de teatros, saídos desta autêntica “escola” de artes cénicas, tendo dado origem a um elevado número de novos actores, já considerados unanimemente como a nova geração do teatro cabo-verdiano.

Liderado pelo professor de teatro e encenador João Branco, este é o grupo de teatro que até hoje mais produções teatrais colocou em cena em toda a história do teatro cabo-verdiano, contabilizando o espantoso número de 35 produções teatrais até meados de 2005, em doze anos de existência, o que perfaz a média de três peças diferentes por cada ano de vida.

A concepção global sugerida numa aplicação artística correcta da arte de encenação, com todas as implicações inerentes, nomeadamente, o aspecto artístico, plástico e técnico tem sido uma das imagens de marca deste grupo de teatro. O teatro cabo-verdiano deixa assim de se reduzir ao designado talento inato do crioulo para a representação, que é inegável, mas junta a esse talento intrínseco e enraizado uma componente técnica, plástica e artística que há 10 anos atrás não se reconhecia, ou, quanto muito, era muito mais laboriosa de se encontrar nos palcos de Cabo Verde. Parece inquestionável que o nível do nosso teatro, considerando esses parâmetros, é hoje muito maior do que o era antes e nessa evolução global, o trabalho do Grupo de Teatro Centro Cultural Português do Mindelo tem tido uma influência decisiva.

Foi o primeiro grupo de teatro em Cabo Verde a encenar e a adaptar para a realidade cabo-verdiana peças de autores fundamentais da dramaturgia universal, tais como Shakespeare (Romeu e Julieta em 1998 ou Rei Lear em 2003); Garcia Lorca (A Casa de Nha Bernarda em 1998 ou Sapateira Prodigiosa em 2003); Molière (O Médico à Força em 2000); ou Beckett (À Espera da Chuva em 2002). Foi lançado e colocado em prática o que veio a ficar conhecido como “crioulizações”, um termo utilizado pelo próprio encenador do grupo.

Foi igualmente este grupo o primeiro a adaptar para teatro obras literárias do popular escritor cabo-verdiano Germano Almeida, tendo apresentado adaptações teatrais de Os Dois Irmãos, em 1999 e de Agravos de um Artista em 2001.

O grupo, considerado pelo crítico teatral Manuel João Gomes, como “um dos mais importantes grupos de teatro dos países africanos de expressão portuguesa”, recebeu o Prémio Teatral de Mérito Lusófono, atribuído pela Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa, no final de 1996. O director artístico do grupo, João Branco, recebe, em 1999, o Prémio Micadinaia da Cultura, atribuído pela Academia de Estudos Comparados, e o próprio Centro Cultural Português do Mindelo vê reconhecido o seu trabalho na área da formação teatral, ao receber, em 2001, o Prémio de Mérito Teatral, atribuído pela Associação Mindelact.

Historial: Condenados ao sucesso

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@ "O Último Dia de Um Condenado", 1997 - foto de Valdemar Lopes



O Último Dia de Um Condenado

Em 1997 o nosso grupo resolveu tentar responder a um desafio: pegar num texto de importância histórica de Victor Hugo - «O Último Dia de um Condenado» e fazer com ele uma peça actual para Cabo Verde. Quando foi apresentada na cidade da Praia, um espectador escreveria, espantado: «Foi uma agradável surpresa descobrir que em Cabo Verde há quem faça teatro de tão boa qualidade».

Para quem vê o sol
“nascer aos quadradinhos”.
Texto inserido no programa da peça «O Último Dia de Um Condenado»


Esta é acima de tudo, uma peça sobre homens que, justa ou injustamente, se viram privados da sua liberdade. Resolvemos por isso, juntar um texto poético e de elevada carga dramática, escrito num contexto histórico passado, estóreas de presidiários actuais, feitas depois de uma investigação realizada na penitenciária de S. Vicente. São duas realidades concretas que se confrontam e se misturam, dois contextos diferentes cujos valores se confundem, duas culturas, duas línguas, um mesmo drama: o presídio, a condenação, a privação da liberdade.

Para criar uma maior dinâmica no espectáculo, e para tornar o próprio texto de Victor Hugo mais atractivo para o público cabo-verdiano, criaram-se dois mundos distintos: um do final do séc. XVIII, com personagens que falam um português de elevada carga dramática e poética (oriundo do texto de Victor Hugo), e onde se relatam os últimos pensamentos de um condenado à morte cuja sentença se irá executar no final (através dessa terrível máquina da morte que foi a guilhotina, e que estará presente na cenografia), e onde está bem patente o gênio da escrita de Victor Hugo; um outro, actual, dos anos 90, onde contracenam prisioneiros cabo-verdianos, com suas histórias do quotidiano (escritas a partir de uma série de entrevistas que foram feitas a vários prisioneiros e ex-prisioneiros de delito comum da Cadeia Civil de S. Vicente) e cujo texto é dito em crioulo. São estes dois mundos que se cruzam, se alternam e, numa das cenas, se relacionam. Com efeito, existe na obra original de Victor Hugo, um importante diálogo entre o condenado/protagonista e um preso de delito comum (da época); o que foi feito foi adaptar o texto do prisioneiro à actualidade cabo-verdiana e temos então um curioso diálogo entre um condenado do séc. XVIII e um outro de 1997, um falando em português, o outro respondendo-lhe em crioulo! As pequenas histórias (ou estóreas) do quotidiano actual de uma cadeia em Cabo Verde que se intercalam com a acção do protagonista são também uma oportunidade para fazer uma crítica, por vezes bastante dura, a certas realidades sociais. Os personagens-tipo são o reflexo disso mesmo. Com uma linguagem que, podendo chocar os mais sensíveis, não deixará de ser um espelho de uma realidade muito concreta: aquela que caracteriza o dia a dia de presidiários de delito comum. Temos assim neste espectáculo um Condenado dos finais do séc. XVIII que se cruza com um Homossexual, um Devoto, um Vitimado, um Revolucionário, um Degolador, um Mudo, um Delinquente, e uma Mulher que lhe entra num sonho vestida de enfermeira para lhe mostrar o quanto a vida é bela, o que acaba por funcionar como uma terrível armadilha pois é essa mesma vida que por lei dos Homens lhe vai ser retirada.

Um magnífico texto, como é o texto de Victor Hugo, não implica um bom espectáculo. Ajuda, mas não chega. Aliás, um magnífico texto, aumenta muito mais a responsabilidade de quem o coloca no palco. Nós só esperamos estar à altura do desafio, e poder dar a conhecer ao público cabo-verdiano um dos mais geniais escritores de todos os tempos. E dedicar este espectáculo a quem, hoje, justa ou injustamente, vê o sol “nascer aos quadradinhos”.

Abril 97 / João Branco
O Último Dia de Um Condenado

Ficha Técnica

Encenação
João Branco

Assitentes de Encenação
Elísio Leite e Silvoa Lima

Dramaturgia
João Branco

Dramaturgia das histórias cabo-verdianas
Colectiva

Cenografia
Paulo Miranda

Som / Iluminação
Paulo Miranda / Pedro Alcãntara e Cesar Fortes

Investigação na cadeia civil
João Crisóstomo

Actores
José Évora
Arlindo Rocha
Elisio Leite
Flávio Leite
Marlon Costa
Nelson Rocha
Nilton Sequeira
Roseno Rocha
Silvia Lima

Bailarino Convidado: Avelino Lopes


Apresentação

Dias 03, 04, 05, 06, 11 e 12 de Abril de 1997, na Alfândega Velha do Mindelo
Dia 08 de Agosto de 1997, no Centro Cultural do Mindelo
- Participação na inauguração oficial do Centro Cultural do Mindelo -
Dia 30 de Dezembro de 1997, na Cadeia da Ribeirinha

Próxima estreia: "O Doido e a Morte"

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"O Doido e a Morte" estreia no dia 22 de Fevereiro
Apresntações dias 22, 23 e 25 de Fevereiro
Centro Cultural do Mindelo (Pátio)

Um Governador Civil que não gosta de trabalhar e passa o tempo a escrever peças de teatro irrealizáveis; um Milionário Louco que o visita com uma bomba numa caixa de madeira, prometendo trazer a Morte daí a 20 minutos, numa explosão que não poupará nada nem ninguém no raio de muitos quilómetros. Este é o ponto de partida da peça "O Doido e a Morte" de Raul Brandão. Uma nova produção do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo que promete ousar e não deixar ninguém indiferente.

"Quando li esta peça pela primeira vez, fiquei muito interessado. E o entusiasmo está a crescer com os ensaios, porque dito pelos actores o texto é ainda mais imponente. É um texto de uma qualidade imensa", conta o encenador João Branco. "Basicamente, a situação é muito simples: dois personagens, um poderoso, porque é Governador, calmamente instalado no seu gabinete climatizado, o outro, que entra e instala uma bomba super potente, anunciando com a maior calma do mundo que passados alguns minutos, irá tudo pelos ares. Querem situação mais actual do que essa?", questiona. "É um texto cruel, seco e implacável, perfeitamente adaptável aos tempos modernos, aliás como a própria situação criada comprova, dada a sua triste actualidade."

Quanto a outros pormenores, relativamente ao estilo de encenação, figurinos, cenografia ou adereços, o encenador prefere deixar tudo como está, ou seja, no segredo dos deuses. O único e importante «pormenor» é o facto de ser apresentado no pátio do Centro Cultural do Mindelo e não no tradicional auditório. "Quisemos experimentar um espaço alternativo. Com a crise de espaços cénicos que temos no Mindelo, queremos não só começar a procurar alternativas, como também mostrar que uma sala climatizada e bem equipada não é a única solução para quem quer fazer teatro. Há que se procurar fazer o melhor possível, com o pouco que se tem", defende o encenador.

Mas uma coisa promete: "as pessoas vão ficar surpreendidas. Podem até nem gostar do que vão ver, mas ninguém vai ficar indiferente. Procuramos dar ao espectáculo uma resposta que conseguisse estar à altura do fortíssimo texto de Raul Brandão. Era o mínimo que podíamos fazer.", enfatiza João Branco.

Com encenação e cenografia de João Branco e figurinos de Elisabete Gonçalves, a peça tem Paulo Santos e Luís Miguel Morais nos principais papeis, com uma participação especial de Sílvia Lima e do próprio João Branco, que reaparece nos palcos como actor depois de alguns anos de ausência. A apresentação no Mindelo acontecerá nos dias 22, 23 e 25 de Fevereiro (quarta. quinta e Sábado). Poderá ser vista na cidade da Praia, no decorrer do mês de Março - mês do Teatro, com duas apresentações em datas a confirmar.

A peça "O Doido e a Morte" foi classificada pelo teatrólogo Luiz Francisco Rebello como "a mais singular e genial obra dramática do século XX português". Estamos perante uma obra que deixa transparecer um sentimento do absurdo ligado ao grotesco gerado pela discrepância entre a realidade e o sonho, entre a grandeza e a abjecção, entre a morte que é a vida e o sonho da eternidade. Nada podia ser mais actual.

Considerada uma pérola da história da dramaturgia portuguesa - e em língua portuguesa - "O Doido e a Morte", é uma farsa existencial, onde talvez faça sentido falar de expressionismo, por se tratar da revolta de um indivíduo perante a crueldade, a incongruência, a abjecção do mundo moderno e porque a obra de Raul Brandão está cheia de «gritos» que fazem com que tenhamos sempre presente o quadro de Edward Munsch, «O Grito».

Segundo José Oliveira Barata, em "O Doido e a Morte", o que permanece é a impotência humana, o pessimismo ainda simbolista porque inútil e sem saída.

Raul Brandão (1867-1930)

Nasceu no Porto (Foz do Douro), em 1867, no mesmo ano literariamente auspicioso de António Nobre e Camilo Pessanha. Figuras maiores do simbolismo português, eles serão também, em momentos diferentes e por vias estético-literárias divergentes, referências absolutas para a literatura portuguesa do século XX.

Húmus, a obra-prima de Raul Brandão, ocupa um lugar à parte na história da ficção portuguesa: é um livro que se subleva contra a estruturado romance tradicional, introduzindo processos inovadores que o projectam muito para além do horizonte estético do seu tempo. Por isso, nem sempre beneficiou de uma recepção crítica que estivesse à altura de o julgar, apesar da sua assinalável repercussão num meio literário restrito.

Considerado em sentido lato como um escritor de desinência pós-naturalista ou, numa perspectiva comparatista, como um escritor “de transição”, Raul Brandão pôs radicalmente em causa as concepções estéticas vigentes na sua época, por uma vontade de ruptura indissociável da intensa vocação indagadora que sustenta a singularidade do seu projecto estético. Abolindo a oposição entre prosa e poesia, subvertendo as categorias genéricas, desvalorizando os elementos convencionais da narrativa, a ficção brandoniana antecipa as experiências mais inovadoras efectuadas no âmbito da narrativa contemporânea.

Peça "Mar Alto" referenciada

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@ "Mar Alto", 2005. Foto de João Barbosa

A peça "Mar Alto", 35ª Produção Teatral do GTCCPM - ICA, foi alvo de uma referência pelo site www.lantuna.blogspot.com a propósito do período eleitoral que vivemos...

Leia e saiba que brevemente, colocaremos também os dados referentes a esta peça.

Nesta época de luta pela preferência do eleitor, Lantuna recomenda um segundo olhar sobre a peça Mar Alto, do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, estreada em Março de 2005. Uma metáfora da antropofagia politica e uma critica a um sistema de bipolarização política, em que dois partidos são cúmplices em manter, retendo um pluripartidarismo formal. É pena que a peça não seja reposta nos dias que correm, mas fica aqui uma pista para reflexão...

"Esta peça é pois, acima de tudo, uma metáfora poderosa de sistemas políticos e sociais, onde cada vez mais a luta política se radicaliza, e onde não há espaço para uma intervenção pública que não seja de imediato conotada com um dos principais partidos políticos. Se tomamos determinadas posições, somos amarelos; se, pelo contrário, assumimos uma atitude antagónica relativa ao mesmo assunto, somos verdes. No país do mar, há cada vez menos espaço para o azul. (…)

Esta é, pois, uma das peças mais políticas que encenamos até hoje, numa época em que se discute muito sobre o papel do teatro enquanto instrumento de crítica e transformação social. Tal como na vida real, também na peça o elo quebra pelo lado mais fraco, e é comido, aqui no sentido literal do termo, pelos dominantes sociais.Neste contexto, que lugar cabe hoje aos marginalizados, às minorias, aos excêntricos e aos desalinhados? Que lugar cabe à arte e aos artistas, neste sistema cada dia mais antropofágico?"

João Branco

Uma carta especial...

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Uma Carta Especial

“Caro João Branco!Porque penso que qualquer ser humano gosta de ver o seu trabalho reconhecido, principalmente por um público anônimo e, mormente, quando de trabalho artístico se trata, gostaria de uma forma muito singela mas muito sincera, expressar-lhe o que venho sentindo quando me é dada a oportunidade de ver, sentir e apreciar uma peça teatral do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português:

Fico pura e simplesmente extasiada.

No caso concreto da peça «Romeu e Julieta» e antes de a vir ver, pensava – como será possível adaptar a peça à realidade cabo-verdiana?

Mas depois repensava – bom, com o João Branco em cena, há-de sair obra!
E saiu!

Os meus parabéns a todos os elementos do grupo e que muitos mais trabalhos sejam feitos em prol do Teatro Cabo-verdiano, do Teatro Universal.Com amizade e admiração

Mindelo, 08 de Junho de 1998

Assinatura ilegível”

O Mundo do Teatro em Cabo Verde

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Um artigo de Germano Almeida

O Mundo no Teatro em Cabo Verde
a propósito da estréia do espectáculo «Romeu e Julieta»

Se o isolamento em que vivemos ao longo dos séculos teve a vantagem de fazer com que Cabo Verde funcionasse com uma espécie de laboratório onde diversas raças e culturas se viram em forçado e estreito contacto e na maioria do tempo irmanadas pelas grandes tragédias que eram as secas que assolavam as ilhas, mas acabando por surgir desse convívio essa particular forma de estar e de ver o mundo a que chamamos cabo-verdianidade, também não podemos negar que esse mesmo isolamento é igualmente responsável por não poucas perniciosas formas de encarar a vida que acabamos alcandorando como apanágio do ilhéu, quando na verdade mais não são que a auto-suficiência de quem eternamente vive com os olhos no próprio umbigo.

Por mim sempre achei que essa ausência de contacto com o exterior, essa infelicidade de não termos que nos comparar e muito menos concorrer, tinha a suprema desvantagem de nos fazer continuar fechados nessa torre de basofaria nacional que afinal das contas é uma das principais responsáveis por atrasos a muitos e diversos níveis que recusamos reconhecer simplesmente porque isso fere o nosso incomensurável orgulho.

Ora o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo teve o mérito de trazer pelo menos duas coisas, não apenas ao teatro cabo-verdiano, mas também à nossa sociedade em geral: primeiro, a humildade, a seguir, a percepção de que o mundo não se esgota em nós mesmos.

Essa humildade não é senão decorrência de uma abertura a outras formas de sociedade e de cultura que acabam fatalmente por se interpenetrar com a nossa pelas formas mais diferentes, mais especificamente neste caso através de adaptações de obras literárias de grandes autores que a Humanidade conheceu e que, interpretadas à luz da realidade destas ilhas e usando com instrumento o crioulo, nada perdem da sua graça e magia, mas pelo contrário como que ganham um fôlego renovado. Duas delas me marcaram particularmente: «A Casa de Nha Bernarda» e «Romeu e Julieta». Onde quer que se encontrem, tanto Garcia Lorca com Shakespeare devem ter-se sentido honrados ao verem-se adaptados e representados em crioulo de Cabo Verde.

Germano Almeida – Maio de 97

Crítica: Romeu e Julieta

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Crítica da peça «Romeu e Julieta" publicada no Jornal de Notícias (Portugal)

“A peça do grupo mindelense, que revela talento, dedicação e capacidades inesperadas numa cidade sem tradições teatrais dignas de especial referência, reuslta extremamente sedutora e conheceu um grande êxito nos palcos de Cabo Verde onde foi apresentada, apesar da economia de meios em que o grupo desenvolve a sua actividade. Tem soluções e recursos de efeito muito bem conseguidos – a utilização do espaço, o ritmo conferido ao espectáculo, o domínio da expressão corporal em momentos importantes e o resultado conseguido com a selecção musical, nomeadamente -, a que a ironia e o modo de sentir locais também conferem particular realce. A peça é apresentada como uma ‘adaptação crioula’ do texto de Shakespeare, o que no espectáculo não se resume ao uso do crioulo (aliás perfeitamente entendível), a par do português, mas significa sobretudo uma actualização de um tema que não conhece fronteiras temporais e, por outro lado, a sua ‘localização’ num contexto próprio, que é o da cidade do Mindelo. Existe aí uma alegada e tradicional rivalidade entre os bairros de Ribeira Bote e Monte Sossego, e João Branco e a sua equipa introduziram esse facto como elemento lexical, digamos assim (podiam-se dar mais exemplos, como o ambiente da Praça Nova), de u mundo onde o espectador cabo-verdiano melhor se pode reconhecer, ainda que outros públicos apercebam igualmente do sentido e dos efeitos pretendidos. (...) Cabo Verde e a sua rica história cultural ajudam-nos a compreender que um grupo de teatro com seis anos possa surpreender-nos desta maneira e demonstre possuir uma idéia clara do que está a fazer.”
José Gomes Bandeira – Jornal de Notícias 09/05/99

Historial: o primeiro Shakespeare

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@ "Romeu e Julieta" (1998) - foto de Cristina Peres

Foi a primeira vez, e essa nunca se esquece.

No dia de Maio de 1998, o GTCCPM estreiava a peça "Romeu e Julieta", de William Shakespeare. Pela primeira vez na história do teatro cabo-verdiano, o maior dramaturgo de todos os tempos «falava» em língua di terra.



Romeu e Julieta

Ficha Técnica

Adaptação e Encenação
João Branco
Assistentes de Encenação
Carla Sequeira e Paulo Cabral
Coordenação na tradução para o crioulo
Mário Matos
Cenografia
João Branco e Paulo Miranda
Figurinos
Anilda Rafael
Desenho de luzes
César Fortes
Som
Anselmo Fortes
Aderecista
António Coelho

Actores / Actrizes

1. OS CARDOSOS DE MONTE SOSSEGO

Ludmila Évora: julieta
Anilda Rafael: sra. Cardoso – mãe de julieta
Manuel Estevão (actor convidado): sr. cardoso – pai de julieta
Nelson Rocha: teobaldo – primo de julieta
Zenaida Alfama: ama – criada da família cardoso
Paulo Cabral: paris – noivo prometido de julieta
Reolando Andrade: abrão – companheiro de teobaldo
Roseno Rocha / João Paulo Brito: companheiro de teobaldo
Nilton Sequeira / Marlon Costa: companheiro de teobaldo

2. OS MONTEIROS DE RIBEIRA BOTE

Flávio Leite: romeu
Paulo Miranda: mercúrio (maior amigo de romeu)
Arlindo Rocha: benvindo (primo de romeu)
Edson Gomes: gregório (amigo de benvindo)
Hélder Antunes: companheiro de benvindo
António Coelho: companheiro de benvindo
Ângelo Gonçalves: pai de romeu
Maria da Luz Faria / Maria Auxilia Cruz: mãe de romeu

3. OS NEUTRAIS

João Branco / José Évora: frei lourenço
Jorge Ramos / João Branco: principe – autoridade local
Dijenira Margarete / Elisabete Gonçalves: rosalina
José Évora / João Paulo Brito: narrador e vendedor


Apresentação

Dias 30 e 31 de Maio e 5, 6 e 7 de Junho de 1998, no Centro Cultural do Mindelo
Dias 7, 8 e 9 de Maio de 1999, no Grande Auditório do Teatro Rivoli (Porto)
- Participação no Ciclo Morrer D’Amor -


A CONFIRMAÇÃO DE UM PERCURSO
De Corpo e alma
Ou o Diabo os leve a ambos

Texto inserido no programa da peça «Romeu e Julieta»


"Shakespeare, de quem não há dúvida era o mais dotado autor inglês e talvez o maior dramaturgo de toda a história do teatro, escreveu em inglês, para os ingleses da era isabelina e cremos, sem pensar muito na posteridade ou de que algum dia pudesse ser traduzido e adaptado no crioulo de Cabo Verde (oxalá um dia o seja!)"

Leão Lopes in "O que poderá ser o teatro cabo-verdiano no futuro" edição Revista Mindelact nº0, pag.27, jan-jul 97


O Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo gosta de arriscar. Basta ver o seu historial. Depois de Albert Camus, Oscar Wilde, Victor Hugo e Garcia Lorca chegou a vez do unanimemente considerado o maior dramaturgo da história do teatro: Willian Shakespeare e daquela que é, porventura, uma das suas obras mais populares e mais adaptadas ao longo dos tempos: Romeu e Julieta. Apesar das velhas e gastas discussões sobre se perde desta forma o nosso teatro a sua identidade cabo-verdiana - nós sempre defendemos que não - este tem sido por agora o caminho escolhido pelo grupo e com o mais importante dos resultados: salas cheias, pessoas satisfeitas, risos e lágrimas, sinergia comum entre quem está no palco e quem assiste aos espectáculos.

Teatro de qualidade sempre foi o nosso desafio. Se é verdade que os nossos parâmetros e exigências próprias tem aumentado, o público, o nosso público, em crescendo e reconquistado a cada nova estreia, (e já lá vão 17 produções) sempre foi e sempre será soberano. A conclusão de que determinada aposta foi ganha nunca será feita por nós, parte interessada, e cuja análise do objecto artístico nunca poderá ser desinteressada e desligada do sentimento generalizado de que tudo foi feito para ser apresentada uma obra no mínimo interessante e cativante. Essa análise sempre foi e sempre será feita pelo outro lado. O público. E este, perdoem-me os fundamentalistas que insistem numa retórica que chega a ser intelectualmente desonesta, tem-nos dado carta branca para continuar. É o que faremos enquanto se mantiver acesa esta paixão que todos os membros deste grupo sentem pelas artes dramáticas, enquanto que os actores e actrizes que todos os anos "lançamos" nesta aventura mostrarem o talento e a coragem que evidenciam, mais uma vez, neste espectáculo.

Esta é uma adaptação moderna do texto shakespeareano, não se tendo procurado uma boa adaptação da peça, no sentido de manter a fidelidade absoluta à concepção original, mas sim rever e transpor a história para os tempos modernos, através de uma linguagem teatral que as novas gerações possam absorver mais facilmente.

De qualquer maneira, a grande maioria das palavras usadas na peça, são directamente originárias da pena genial do dramaturgo inglês. Os diálogos e monólogos, cuidadosamente traduzidos para o crioulo pelo Sr. Mário Matos, foram respeitados (e como ficam belos muitos excertos de Shakespeare traduzidos e falados em crioulo!). A adaptação sofreu alguns cortes, resultado de uma necessidade de modernização do texto original e de um maior ritmo e pulsar da peça, mais ao estilo dos frenéticos anos 90. Mas é curioso verificar como todo o texto que fica, apesar de escrito há mais de duzentos anos, se mantém actual. Aqui, a universalidade, não é só espacial mas também temporal, o que comprova a genialidade do autor.

Mindelo dos anos noventa e a sua juventude são retratados como a vemos hoje todos os dias. As suas guerras, as suas paixões, as suas roupas (predominância absoluta para o branco e preto), os seus tiques. A influência da cultura anglo-saxônica, mormente norte americana, bastante vincada na nossa juventude de hoje, principalmente do Mindelo, está presente ao longo do espectáculo. O sentido de humor e a fina ironia, que pensamos ser uma das mais peculiares características do cidadão do Mindelo, assim como de muitos textos de Shakespeare, estão também presentes ao longo de todo o espectáculo, em muitos dos personagens e em várias das peripécias ao longo do desenrolar da história, que de qualquer forma, mantém o seu cunho extremamente dramático.

A história é a mesma de sempre. Amantes de famílias rivais, neste caso oriundas de dois bairros do Mindelo, - Ribeira Bote e Monte Sossego - o amor impossível e a tragédia final. No fundo é também, e de certa forma, o exacerbar do amor físico. Romeu desiste do amor de outra, e ambos se entusiasmam pela mera aparência um do outro, numa cena que se poderia passar (quantas vezes se passa…) na nossa Praça Nova, num sábado à noite.

O romantismo que hoje é assumido pelos jovens de forma superficial e ligeira, quase leviana, por vezes com grandes distâncias entre o que se diz e o que se faz na vida, tem nesta história um tratamento o mais sincero possível. Acreditamos que o verdadeiro romantismo, e que paira latente e envergonhado sobre as nossas cabeças, se possa revelar nos corações adormecidos de quem vir esta história de amor, do nosso Romeu e da nossa Julieta, jovens cabo-verdianos, sem preconceitos nem medos de sentir a magia do verdadeiro amor vivido. De corpo e alma, ou o Diabo os leve a ambos.

Maio 98 / João Branco

MÁRIO MATOS – COORDENADOR NA TRADUÇÃO PARA O CRIOULO

Escrever em crioulo não é fácil. Mas também não é difícil. Tudo depende do assunto a tratar.

No caso de "Romeu e Julieta", não foi fácil. É uma peça teatral daquele que foi o maior poeta dramático da Inglaterra – Willian Shakespeare.

A dificuldade era passar para o crioulo uma peça dramática, traduzida do inglês para o português. Era preciso manter todo o dramatismo que Shakespeare pôs na sua obra. Esta é que foi a maior dificuldade.

De parabéns está o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, no prosseguimento desta nova forma de fazer teatro.

Maio 98 / Mário Matos

Os nossos actores I

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@ "Auto da Compadecida" (2005) - foto de João Barbosa

Elísio Leite

Idade: 41
Signo: Leão

Peças em que participou:

«Fragmentos» – 1995
«O Fantasma de S. Filipe» – 1996
«As Virgens Loucas" - 1996
«O Último Dia de um Condenado» - 1997
«Os Irmãos de Assis» - 1997
«Os Velhos não devem Namorar» – 1999
«Os Dois Irmãos» – 1999
«Telemania» – 2001
«Mancarra» – 2001
«Três Irmãs» – 2004
«O Auto da Compadecida» – 2005

«A Última Ceia» - 2008

Se tiver algo a dizer sobre este nosso actor, não hesite em deixar o seu comentário


As nossas actrizes I

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@ «Salon», 2002 foto de João Branco

Zenaida Alfama

Idade: 27 anos
Signo: Capricórnio

Peças em que participou:

«Casa de nha Bernarda» – 1997
«Romeu e Julieta» – 1998
«Os Velhos não devem Namorar» – 1999
«Os Dois Irmãos» – 1999
«Médico à Força» – 2000
«Mancarra» – 2001
«Salon» – 2002
«Sapateira Prodigiosa» – 2003
«Três Irmãs» – 2004
«O Auto da Compadecida» – 2005


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Historial: Um Sonho experimental

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@"Sonhos", 1995 - foto de Augusto Baptista
A peça começa com a entrada em cena de quatro homens pré-históricos. Farejam o público, simulam actos sexuais, lutam entre si e descobrem o fogo. Os primeiros 15 minutos de peça não tem texto. Estava dado o mote e Mindelo pressentia que, finalmente, o experimentalismo teatral havia chegado a Cabo Verde.
Sonhos

Este trabalho é o resultado de uma montagem feita a partir de propostas cénicas dos próprios actores. Não tem nenhum pressuposto teórico. Para cada pessoa terá uma explicação e daí a sua magia. E como um sonho é sobretudo um conjunto de imagens, o que prevalece neste espectáculo é a composição plástica. Mas nada é impossível. Tudo se transforma. Tudo é sonho.

Ficha Técnica

Coordenação
João Branco
Dramaturgia e Encenação
Colectiva
Poema Final: «Funeral Blues» de W. H. Auden
Som / Iluminação
João Branco / Pedro Alcântara

Actores
Adilson Rocha
Adriano Reis
Cesarina Lopes
Elisângelo Ramos
Euclides Sequeira
Gabriel Reis
Gisela Monteiro
João Paulo Brito
Júlio Santos
Paulo Cabral
Paulo Miranda
Silvia Lima

Participaram ainda em alguns espectáculos, substituindo os actores iniciais: Nelson Rocha, Matilde Sequeira e Elisabete Gonçalves


Apresentação

Dias 24, 25 e 26 de Março de 1995, no Centro Cultural Português do Mindelo
Dias 2, 3 e 4 de Junho de 1995, no Centro Cultural Português do Mindelo
Dia 25 de Agosto de 1995, no Centro Cultural Português do Mindelo
Dia 02 de Setembro de 1995, no Centro Cultural Português do Mindelo
- Participação no Festival Mindelact 95 -
Dia 20 de Setembro de 1995, na Escola Técnica do Mindelo
Dia 31 de Dezembro de 1995, na Prisão da RibeirinhaDia 27 de Maio de 1996, no Club Náutico do Mindelo