A primeira vez que vi a peça foi em S. Paulo, no final dos anos noventa. Encenada e interpretada por Miguel Seabra, juntamente com o espantoso actor Álvaro Lavin, para o Teatro Meridional, esta versão marcou-me para toda a vida e durante os cinco dias de apresentação, que vi sofregamente como quem aprecia um manjar dos deuses, jurei a mim próprio que um dia haveria de pegar neste texto e montá-lo para o teatro das ilhas. A grande dificuldade, para não dizer mesmo o grande atrevimento, era saber o que fazer depois de assistir a tão magna lição de bem fazer teatro, sem correr o risco de cair num precipício, porque aquele foi um daqueles espectáculos que me fez questionar o que raio andava eu a fazer no mundo do teatro, havendo por ai quem o fizesse tão bem. Como bem disse Miguel Seabra numa entrevista, esta montagem representa, antes de tudo, o triunfo da simplicidade cénica, a mais difícil meta de se alcançar no teatro.
Hoje, passados quinze anos sobre esse primeiro choque, resolvi arriscar. Sinto que o percurso e a experiência que tenho, se bem que não chegue para atingir a perfeição cénica de que fui testemunha, me dá margem de manobra para um eventual perdão, dos meus colegas e do público, se acontecer o caso provável da minha habilidade como encenador não conseguir dar a resposta adequada que o texto original demanda. Uma segunda razão que me incentivou para esta aventura tem a ver com uma homenagem que senti dever prestar a um actor cabo-verdiano, uma homenagem tão pessoal quanto intransmissível, que não só é dos actores mais experientes da sua geração, como também foi dos poucos que continuou a fazer teatro depois do novo ciclo que se iniciou com o projecto teatral do Centro Cultural Português, na cidade do Mindelo, no início dos anos noventa. Falo, evidentemente, de Manuel Estêvão, a quem dedico, de corpo e alma a montagem desta peça, e a quem fiz questão de acompanhar em palco, para mal dos meus e dos vossos pecados.
Solano e Rios são, pois, dois actores medievais paupérrimos e de nomes pomposos, que caminham, perdidos no tempo, há quatrocentos anos e acabam por aportar em Cabo Verde. Andaram em S. Nicolau, Cidade Velha, Ribeira da Barca, vila Leopoldina, hoje cidade do Mindelo. E ao falarem das suas questões e dos problemas concretos da sua arte tentam, quem sabe se de forma vã, por a nu as questões e as lutas do artistas e do público, de quem faz e de quem vê. São uma metáfora do teatro e da vida e refazem o sentido de continuar a construir esse edifício cada vez mais rico chamado teatro cabo-verdiano. Será estranho? Diferente. Outra vez? Outra vez. Venham vê-los, porque só assim a sua (nossa) arte fará sentido.
João Branco
FICHA ARTÍSITCA
TEXTO ORIGINAL
José Sanchis Sinisterra
DIRECÇÃO ARTÍSTICA
João Branco
DIRECÇÃO PLÁSTICA
Bento Oliveira
DIRECÇÃO MUSICAL
Mick Lima
DIRECÇÃO DE MOVIMENTO
Janaina Alves
INTERPRETAÇÃO
João Branco
Manuel Estevão
ASSISTENTE DE ENCENAÇÃO
Elísio Leite
PRODUÇÃO
Centro Cultural Português – IC / Pólo do Mindelo
DURAÇÃO
1h 20 minutos, sem intervalo
45ª Produção Teatral do GTCCPM/IC
Apresentado nos dias 03, 04 e 05 de Junho de 2011, no Centro Cultural do Mindelo
«Os Amantes»
FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DO MINDELO - MINDELACT 2010
PALCO PRINCIPAL - dias 20 (às 21:30h), 21, 22, 23 e 24 (às 20:00h)
Armazém Columbim
EXTENSÃO PRAIA - dias 27 (às 19:00 e 21:00 h) e 28 (às 21:00 h)
Instituto Internacional de Língua Portuguesa (Palácio Cor de Rosa)
Ficha Artística
DRAMATURGIA
Adaptação da peça Quartet de Heiner Muller
ENCENAÇÃO E DIRECÇÃO ARTÍSTICA
João Branco
ASSISTENTE DE ENCENAÇÃO
Elísio Lima
ESPAÇO CÉNICO
João Branco
INTERPRETAÇÃO
Caplan Neves, Nelson Rocha e Sílvia Lima
FIGURAÇÃO (NO MINDELO)
Josi Rocha e Romilda Silva
PRODUÇÃO
Centro Cultural Português - IC / Pólo do Mindelo
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA
M/16
DURAÇÃO
60 minutos, sem intervalo
IDIOMA
cabo-verdiano e português
Adaptação livre em cabo-verdiano da peça Quartet de Heiner Muller que, por sua vez foi inspirado no romance epistolar de Choderlos de Laclos, As relações perigosas.
O dramaturgo afirmou uma vez que a peça Quartet é uma verdadeira comédia, um jogo sexual que mergulha de forma cínica na luta de classes, apresentando dois personagens ambíguos e intrigantes da Aristocracia Francesa: Merteuil e Valmont. A acção dramática oscila "entre um salão durante a época da Revolução Francesa e um Bunker após a 3ª Guerra Mundial", segundo escreve o autor na primeira e e mais significativa didascália da obra, já que nos indicia a sua clara imtemporalidade.
Os personagens da peça desdobram-se em quatro ou mais personagens, trocando de identidade e sexo numa brincadeira sem avisos. As sugestões cénicas são de forte cunho surrealista, com poucas didascálias, o que nos permite uma maior liberdade de criação. Assim, todo o espectáculo viverá do jogo entre dois universos paralelos, já que apesar da peça original ter apenas dois personagens, este espectáculo terá 2 actores e 1 actriz em cena, numa espécie de espelho cénico criado para confundir e baralhar os dados lançados pela situação criada.
Num ambiente extremamente intimista, uma linguagem crua, personagens em estado de decadência profunda em constante luta contra o tempo e a sua própria imagem no espelho, "Os Amantes" será um espectáculo que não deixará ninguém indiferente.
Apraz-me a ideia de ver o Quarteto de Heiner Müller representado no Mindelact que se aproxima, por uma companhia nacional. Porque será?
Não se exibe ali gente casta mas criaturas que se arrastam rasamente no rasto gosmento de si próprios. Não se exibe o amor. A sedução e a decadência são a carne vã, onde só o esqueleto importa. Tal como o afirma, Heiner Müller exibe a estrutura das relações entre os sexos tal como lhe parecem verdadeiras. Ele nos mostra a natureza de um liame. Não de amor, não de cumplicidade (a cumplicidade que existe entre essas criaturas é uma fatalidade), não de sedução (embora tudo pareça rodar a volta deste factor). A natureza deste liame é a dependência. Heiner Müller apresenta-nos duas criaturas narcísicas, intensamente auto centradas, mas ligados por um laço de dependência atroz. Criaturas sem Deus, que reconhecem no amor uma “ilusão dos criados”, na virtude “uma doença infecciosa”. Criaturas abandonadas a si próprias. Só se possuem um ao outro, mas não passam de desagradáveis espelhos onde se reflecte sua mútua decadência. Presos numa carne podre quando a carne é a única coisa que se possui. O reflexo do vazio que diariamente cresce.
Quando a noite empurra a carne para as luzes vermelhas da cidade, reflectindo tanta diversão e tão pouca alegria, vê-se tantos olhos que se ignoram, presos à carne jovem e bela que o tempo se ocupará de encher de vermes. Vêm-se tantas criaturas inacessíveis, procurando na carne em vez das pessoas, a experiência subjectiva de ser. Ser é ser amado. Seduzo logo existo. Mas os objectos da sedução só possuem a débil existência da novidade. E o nada por dentro continua crescendo, exigindo sua vítima diária para se preencher. Procurando na carne sem face, a repetição abstracta de existência.
A duplicidade solitária dos casais entregue a si mesmos, é algo que me intriga profundamente, todas as vezes que me assalta a insatisfação generalizada com os relacionamentos íntimos que vemos hoje em Mindelo. Ver Valmont e Merteuil entre as nossas ruas, faz-me desejar gritar aos ventos que a natureza do liame entre esses seres que se tocam na intimidade da carne, não pode ser só isso. Faz-me desejar gritar que Heiner Müller estava errado, que o amor existe, a única transcendência necessária. Faz-me querer gritar às duplicidades solitárias que não estão sós, que o amor lhes transcende na mediada em que os une.
Apraz-me a ideia de ver o Quarteto de Heiner Müller em Mindelo. Quem sabe alguém queiri depois gritar comigo.
Caplan Neves
Como vem sendo hábito, o nosso grupo vai participar em mais uma edição do festival internacional de teatro do mindelo - mindelact 2010, que decorre entre 16 a 26 de Setembro. Apresentaremos, em estreia absoluta, a peça «Os Amantes», nos dias 20, 21, 22, 23 e 24. Depois viajaremos para a cidade da Praia, para apresentações nos dias 27 e 28 de Setembro.
Da equipa final da peça, além de João Branco, na direcção artística, temos Sílvia Lima, Nelson Rocha e Caplan Neves na interpretação e Elísio Leite, na assistência de encenação.
No próximo Sábado, dia 11 de Setembro, haverá um ensaio assistido, na sala do Centro Cultural Português.
É com profundo pesar que informamos todos os interessados que a estreia da peça "Os Amantes" foi adiada por motivos alheios ao grupo e à equipa que integra a mesma. Uma nova data está ainda pendente de outras questões, pelo que não é possível, no presente momento, dar qualquer informação adicional sobre esta nova produção do nosso grupo.
Saudações Teatrais
"Os Amantes"
Estreia dia 19 de Fevereiro
Algures num edifício da cidade do Mindelo
"Os Amantes", é o título para a próxima produção do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português - IC (44ª Produção Teatral). É uma adaptação livre em bilingue (português / crioulo) da peça Quartet de Heiner Muller que, por sua vez foi inspirado no romance epistolar de Choderlos de Laclos, As relações perigosas.
O dramaturgo afirmou uma vez que a peça Quartet é uma verdadeira comédia, um jogo sexual que mergulha de forma cínica na luta de classes, apresentando dois personagens ambíguos e intrigantes da Aristocracia Francesa: Merteuil e Valmont. A acção dramática oscila "entre um salão durante a época da Revolução Francesa e um Bunker após a 3ª Guerra Mundial", segundo escreve o autor na primeira e e mais significativa didascália da obra, já que nos indicia a sua clara imtemporalidade.
Os personagens da peça desdobram-se em quatro ou mais personagens, trocando de identidade e sexo numa brincadeira sem avisos. As sugestões cénicas são de forte cunho surrealista, com poucas didascálias, o que nos permite uma maior liberdade de criação. Assim, todo o espectáculo viverá do jogo entre dois universos paralelos, já que apesar da peça original ter apenas dois personagens, este espectáculo terá 2 actores e 2 actrizes em cena, numa espécie de espelho cénico criado para confundir e baralhar os dados lançados pela situação criada.
Outra inovação consiste no facto de o espectáculo ser apresentado num espaço alternativo, ainda a anunciar. Um edifício histórico ou uma cave abandonada da cidade do Mindelo são algumas das possibilidades, sendo certo que a peça não será apresentada num espaço convencional nem para um público muito vasto, estado previstos apenas 40 a 50 lugares disponíveis para cada apresentação, já que se pretende criar um ambiente extremamente intimista.
Uma linguagem crua, personagens em estado de decadência profunda em constante luta contra o tempo e a sua própria imagem no espelho, "Os Amantes" será um espectáculo que não deixará ninguém indiferente. A estreia está marcada para o dia 19 de Fevereirode 2010 e as incidências da montagem podem ser acompanhadas via Twitter, aqui.
Os Amantes
Ficha Artística (provisória)
Adaptação livre do da peça de Heiner Muller
Dramaturgia e Direcção Artística
João Branco
Interpretação
Caplan Neves, Nelson Rocha, Silvia Lima e Tai Brum
Figurinos
Elisabete Gonçalves
Instalação de luz
Edson Fortes
Estreia prevista: 19 de Fevereiro de 2010
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