O mês do teatro cabo-verdiano inicia-se em S. Vicente com a apresentação da peça "O Auto da Compadecida", do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo - ICA, nos próximos dias 03, 04 e 05 de Março. Se quiser ver a peça que foi considerada por muitos como a melhor da última edição do festival mindelact 2005, esta é a oportunidade. Veja aqui o como e o porquê deste espectáculo.
SIMPLESMENTE TERRA (texto do programa)
Se tivesse que escolher um elemento ou uma palavra que melhor se identificasse com este espectáculo, não hesitaria nem um segundo: terra.
A verdade é que desde sempre me fascinaram os castanhos de Cabo Verde. A paisagem, cuja aparência pode ser de uma pobreza extrema, onde sobressaem as pedras e a terra seca, mas que é de uma beleza plástica e visual sem paralelo. E se há peças de teatro que conseguem transportar essa essência do ser crioulo para o palco, esta é, com certeza, uma delas,
Estamos a falar de um texto brasileiro, por muitos considerado a mais popular peça de teatro desse país imenso que é o Brasil. Nela aplicamos a nossa crioulização, na língua falada, por alguns personagens, em algumas ocasiões; nos objectos utilizados, nas músicas utilizadas ou no ambiente construído, conferindo-lhe uma alma cabo-verdiana e procurando transmitir a forma de estar e ser deste povo. Não foi muito complicado, porque a verdade é que os personagens, as situações, o ambiente, as cores, a alma, sendo nordestina, é já de si crioula. Não foi preciso mexer muito, adaptar muito, porque ela, a crioulização, já lá estava, na peça original. Mais uma demonstração, se preciso fosse, das profundas afinidades históricas, culturais, sociais e humanas entre o Brasil e Cabo Verde, principalmente, na região do Nordeste, cuja seca e pobreza extrema facilmente nos remete para o universo das ilhas.
Deve se referir que tudo isto não seria possível de ser afirmado se não fosse o trabalho de Bento Oliveira, a quem tiro o meu chapéu, pelo valor e originalidade da obra e do estilo. Não foi por acaso que o convite para entrar neste projecto foi feito quando vi uma exposição dele no Mindelo e lhe disse, sem hesitações: “mas isto aqui é o «meu» cenário da Compadecida!” Estava lá tudo o que procurava para a “nossa” compadecida: os materiais, as texturas, as cores, os cheiros, ou simplesmente, a presença inolvidável da terra seca de Cabo Verde.
Outro elemento fundamental que contribui para a marcada cabo-verdianidade desta adaptação, é o desenho de luzes feito por César Fortes, que com o seu talento, pinta, como se de um grande artista plástico se tratasse – e no fundo, não é isso que ele é? – ampliando e dando corpo a tudo o que é visto em cima do palco.
Finalmente, dizer que considero este elenco um dos melhores com quem já tive o privilégio de trabalhar. Talvez não seja por acaso se pensarmos que este elenco, mais do que qualquer outro, representa um movimento teatral que se iniciou à cerca de 15 anos atrás, com actores oriundos de sete dos dez cursos de teatro até então ministrados nesta casa, desde o João Paulo, que participou no primeiro, há mais de doze anos, até ao Luís Miguel, recém formado no décimo curso o ano passado. Se isto não representa uma “escola” de arte dramática, anda lá muito perto. Uma escola da terra. Escola terra. Simplesmente.
João Branco
SIMPLESMENTE TERRA (texto do programa)
Se tivesse que escolher um elemento ou uma palavra que melhor se identificasse com este espectáculo, não hesitaria nem um segundo: terra.
A verdade é que desde sempre me fascinaram os castanhos de Cabo Verde. A paisagem, cuja aparência pode ser de uma pobreza extrema, onde sobressaem as pedras e a terra seca, mas que é de uma beleza plástica e visual sem paralelo. E se há peças de teatro que conseguem transportar essa essência do ser crioulo para o palco, esta é, com certeza, uma delas,
Estamos a falar de um texto brasileiro, por muitos considerado a mais popular peça de teatro desse país imenso que é o Brasil. Nela aplicamos a nossa crioulização, na língua falada, por alguns personagens, em algumas ocasiões; nos objectos utilizados, nas músicas utilizadas ou no ambiente construído, conferindo-lhe uma alma cabo-verdiana e procurando transmitir a forma de estar e ser deste povo. Não foi muito complicado, porque a verdade é que os personagens, as situações, o ambiente, as cores, a alma, sendo nordestina, é já de si crioula. Não foi preciso mexer muito, adaptar muito, porque ela, a crioulização, já lá estava, na peça original. Mais uma demonstração, se preciso fosse, das profundas afinidades históricas, culturais, sociais e humanas entre o Brasil e Cabo Verde, principalmente, na região do Nordeste, cuja seca e pobreza extrema facilmente nos remete para o universo das ilhas.
Deve se referir que tudo isto não seria possível de ser afirmado se não fosse o trabalho de Bento Oliveira, a quem tiro o meu chapéu, pelo valor e originalidade da obra e do estilo. Não foi por acaso que o convite para entrar neste projecto foi feito quando vi uma exposição dele no Mindelo e lhe disse, sem hesitações: “mas isto aqui é o «meu» cenário da Compadecida!” Estava lá tudo o que procurava para a “nossa” compadecida: os materiais, as texturas, as cores, os cheiros, ou simplesmente, a presença inolvidável da terra seca de Cabo Verde.
Outro elemento fundamental que contribui para a marcada cabo-verdianidade desta adaptação, é o desenho de luzes feito por César Fortes, que com o seu talento, pinta, como se de um grande artista plástico se tratasse – e no fundo, não é isso que ele é? – ampliando e dando corpo a tudo o que é visto em cima do palco.
Finalmente, dizer que considero este elenco um dos melhores com quem já tive o privilégio de trabalhar. Talvez não seja por acaso se pensarmos que este elenco, mais do que qualquer outro, representa um movimento teatral que se iniciou à cerca de 15 anos atrás, com actores oriundos de sete dos dez cursos de teatro até então ministrados nesta casa, desde o João Paulo, que participou no primeiro, há mais de doze anos, até ao Luís Miguel, recém formado no décimo curso o ano passado. Se isto não representa uma “escola” de arte dramática, anda lá muito perto. Uma escola da terra. Escola terra. Simplesmente.
João Branco
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