Onde estamos?

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– Onde estamos?

- Num teatro.

- Tens a certeza?

- Ou alguma coisa parecida.

- Isto é o palco?

- É.

- Aquilo é o público?

- É.

- Aquilo?

- Achas estranho?

- Diferente.

- Diferente?

- Outra vez.

in Ñaque, Piolhos e Actores


Peças em Imagens: «Ñaque» (2011)

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Fotos de Helder Doca
@ GTCCPM 2011

«Ñaque, Piolhos e Actores», sobre a peça

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A primeira vez que vi a peça foi em S. Paulo, no final dos anos noventa. Encenada e interpretada por Miguel Seabra, juntamente com o espantoso actor Álvaro Lavin, para o Teatro Meridional, esta versão marcou-me para toda a vida e durante os cinco dias de apresentação, que vi sofregamente como quem aprecia um manjar dos deuses, jurei a mim próprio que um dia haveria de pegar neste texto e montá-lo para o teatro das ilhas. A grande dificuldade, para não dizer mesmo o grande atrevimento, era saber o que fazer depois de assistir a tão magna lição de bem fazer teatro, sem correr o risco de cair num precipício, porque aquele foi um daqueles espectáculos que me fez questionar o que raio andava eu a fazer no mundo do teatro, havendo por ai quem o fizesse tão bem. Como bem disse Miguel Seabra numa entrevista, esta montagem representa, antes de tudo, o triunfo da simplicidade cénica, a mais difícil meta de se alcançar no teatro.

Hoje, passados quinze anos sobre esse primeiro choque, resolvi arriscar. Sinto que o percurso e a experiência que tenho, se bem que não chegue para atingir a perfeição cénica de que fui testemunha, me dá margem de manobra para um eventual perdão, dos meus colegas e do público, se acontecer o caso provável da minha habilidade como encenador não conseguir dar a resposta adequada que o texto original demanda. Uma segunda razão que me incentivou para esta aventura tem a ver com uma homenagem que senti dever prestar a um actor cabo-verdiano, uma homenagem tão pessoal quanto intransmissível, que não só é dos actores mais experientes da sua geração, como também foi dos poucos que continuou a fazer teatro depois do novo ciclo que se iniciou com o projecto teatral do Centro Cultural Português, na cidade do Mindelo, no início dos anos noventa. Falo, evidentemente, de Manuel Estêvão, a quem dedico, de corpo e alma a montagem desta peça, e a quem fiz questão de acompanhar em palco, para mal dos meus e dos vossos pecados.

Solano e Rios são, pois, dois actores medievais paupérrimos e de nomes pomposos, que caminham, perdidos no tempo, há quatrocentos anos e acabam por aportar em Cabo Verde. Andaram em S. Nicolau, Cidade Velha, Ribeira da Barca, vila Leopoldina, hoje cidade do Mindelo. E ao falarem das suas questões e dos problemas concretos da sua arte tentam, quem sabe se de forma vã, por a nu as questões e as lutas do artistas e do público, de quem faz e de quem vê. São uma metáfora do teatro e da vida e refazem o sentido de continuar a construir esse edifício cada vez mais rico chamado teatro cabo-verdiano. Será estranho? Diferente. Outra vez? Outra vez. Venham vê-los, porque só assim a sua (nossa) arte fará sentido.

João Branco

«Ñaque, Piolhos e Actores»

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FICHA ARTÍSITCA

TEXTO ORIGINAL
José Sanchis Sinisterra

DIRECÇÃO ARTÍSTICA
João Branco

DIRECÇÃO PLÁSTICA
Bento Oliveira

DIRECÇÃO MUSICAL
Mick Lima

DIRECÇÃO DE MOVIMENTO
Janaina Alves

INTERPRETAÇÃO
João Branco
Manuel Estevão

ASSISTENTE DE ENCENAÇÃO
Elísio Leite

PRODUÇÃO
Centro Cultural Português – IC / Pólo do Mindelo

DURAÇÃO
1h 20 minutos, sem intervalo

45ª Produção Teatral do GTCCPM/IC

Apresentado nos dias 03, 04 e 05 de Junho de 2011, no Centro Cultural do Mindelo