Historial: As Lágrimas de Lafcádio

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@"Lágrimas de Lafcádio", 1995 - foto de Manu Preto



As Lágrimas de Lafcádio

Em 1996, o GTCCPM volta a surpreender com uma peça diferente de tudo o que Cabo Verde já vira, numa ousada encenação do italiano Lamberto Carrozzi. O choque foi grande, o sucesso também. Falou-se de morte, de sexo, de traição e de violência. Sem tabus!


O Teatro Como Traição
Texto inserido no programa da peça «As Lágrimas de Lafcádio»
Encontro-me pela terceira vez a realizar um balanço sobre uma experiência teatral em mindelo, três momentos diferentes, unidos sempre pelo mesmo objectivo: fazer teatro. Pela terceira vez encontro um grupo que com tenacidade e sacrifício segue percorrendo um caminho complicado e cheio de obstáculos, como aquele que leva ao teatro: a arte de fazer espectáculos, de entreter um público, e seduzi-lo, para contar mentiras e verdades, para o surpreender, e talvez o enganar, mesmo durante só uma hora, com a idéia de que o Teatro ainda está vivo e é capaz de interpretar o presente. Sobretudo hoje e sobretudo em contraste com uma realidade que já decretou o fim mesmo do Teatro. No curso destas três experiências mindelenses, as pessoas que ficaram a meu lado amadureceram. O Teatro para eles já não é mais só um jogo, existe a necessidade de aprofundar. Nasceu então quase espontaneamente um atelier de dramaturgia, onde eu propus trabalhar sobre dois textos, de dois grandes escritores franceses, Gide e Camus. Dois textos muito diferentes entre eles mas em alguns aspectos consequenciais. Nos dois, existe um delito cometido a sangue frio. No romance de Gide («As Caves do Vaticano»), o delito é realizado na completa consciência do acto assassino, e no de Camus («O Estrangeiro»), o homicídio se consome na casualidade e na mais completa ignorância da existência do crime. A grande actualidade das duas obras permitiu trabalhar sobre temáticas sempre fundamentais na vida de todos em qualquer lugar do mundo. Uma condição necessária visto que o projecto envolve pessoas de quatro nacionalidades distintas. Começamos o trabalho num clima de grande confiança recíproca, sem a qual teria sido impossível enfrentar argumentos delicados e difíceis, como os que envolvem a morte, a loucura, o sexo, o amor e a culpa. «Lafcádio», um dos protagonistas do romance de Gide, foi escolhido como ponto de convergência entre a nossa experiência teatral e as duas obras literárias. O «nosso Lafcádio» também mata com o único objectivo de verificar se é capaz de chegar a tal extremo. O «nosso Lafcádio» também mata sem perceber, mas o destino do «nosso Lafcádio» desenvolveu-se num percurso autónomo que não existe nem em Gide nem em Camus. Esta traição formal foi feita conscientemente para melhor captar o espírito, a lição das duas obras. O «nosso Lafcádio» é tão perigoso quanto indefeso. É incapaz de conviver porque não sabe esconder as suas próprias anárquicas pulsões, que o condenam à solidão. Seguramente, vive numa cidade muito maior do que ele, e que não é a sua, onde luta contra a angústia e o abandono de uma maneira tão ingénua quanto violenta. Para nós foi muito complicado o julgamento deste personagem, pois que direito teríamos de condenar ou absolver «Lafcádio»? Sobretudo depois de nos ter dado a oportunidade de trabalhar em conjunto. Então, quero agradecer a «Lafcádio». Quero agradecer também a João Branco pelo respeito que tem pelo meu trabalho, respeito esse recíproco. Agradeço aos actores do Centro Cultural Português por terem aceite com coragem este desafio, que segundo a lição de «Lafcádio» foi enfrentado de uma forma total.
Abril 95 / Lamberto Carrozzi

A silhueta de Lafcádio
Texto inserido no programa da peça «As Lágrimas de Lafcádio»
Ao convidar Lamberto Carrozzi para dar corpo a um novo projecto teatral, o Centro Cultural Português (Mindelo e Praia) prova mais uma vez, se preciso fosse, a enorme importância que esta forma artística tem na divulgação cultural, que é a principal função dos Centros Culturais (sejam eles em que país forem, estejam eles em que país estiverem). Em Mindelo o teatro é tratado com carinho especial, e sem fugirmos à verdade nem ao espírito de humildade que sempre caracterizou o nosso trabalho, podemos afirmar que este está inequivocamente ligado à renovação que se tem vindo a sentir desde 93, no teatro mindelense. Para além de funcionar como «um canteiro de novos actores» (jornal «A Semana»), encara o teatro como uma arte de expressão onde tudo é possível, onde a única regra é não haver regra nenhuma e onde o cunho de ousado e provocador dado ao teatro desenvolvido neste Centro não é só adjectivação incoerente e frívola para bom letrado entendedor. Principalmente por isso, a oportunidade de conhecer e trabalhar com Lamberto Carrozzi à dois anos no atelier teatral desenvolvido pela associação «Caliban» e que esteve na origem da peça «Sofias» (a partir do texto «Filumena Marturano» de Edoardo de Filippo), foi um passo decisivo em tudo o que foi feito posteriormente. Foi, pois, com grande entusiasmo que os actores e o responsável do grupo de teatro do Centro Cultural Português, acolheram a vontade deste encenador em voltar a desenvolver um projecto teatral em Mindelo. Daí até à escolha do texto inicial (em constante modificação e pós-construção durante os ensaios, encarados também como atelier dramatúrgico), das temáticas envolvidas, dos actores disponíveis e desde o início solidários e prontos a arriscar, foi um passo. Um passo que deu origem à peça «As Lágrimas de Lafcádio», e que com seis actores cabo-verdianos, dois Centros Culturais Portugueses, um encenador italiano e textos construídos a partir de dois escritores franceses (André Gide e Albert Camus), vem demonstrar a profunda inter-culturalidade que caracteriza este projecto, o que é uma das características do mundo moderno. Porquê «As Lágrimas de Lafcádio»? Citando Peter Brook: «Quando um espectáculo termina, o que permanece? O divertimento pode ser esquecido, mas as emoções fortes também desaparecem e as belas polémicas perdem o fio; quando a emoção e a polémica estão sujeitos a um desejo da platéia de se ver internamente com mais clareza, então algumas coisa arde na mente. O acontecimento imprime a fogo na memória um traço, um sabor, um perfil, um odor – um quadro. É a imagem central da peça que permanece, a sua silhueta, e se os elementos estiverem ligados correctamente, esta silhueta será o significado da peça (...)» E se assim não fôr? O público, sempre o público, ditará a sua sentença. De qualquer forma não vale a pena chorar sobre o leite derramado.
Abril 95 / João Branco

Ficha Técnica

Encenação
Lamberto Carrozzi
Elaboração Dramatúrgica
Colectiva
a partir de “O Estrangeiro” de Albert Camus e “As Caves do Vaticano” de André Gide
Assistência de Encenação
João Branco
Cenografia
Lamberto Carrozzi e João Branco
Figurinos
Mirita Veríssimo
Som / Iluminação
João Branco / Pedro Alcântara

Actores
João Paulo Brito
Gabriel Reis
Paulo Miranda
Silvia Lima
Elisângela Monteiro
Elisângelo Ramos

Assessoria de Imprensa: Elisângelo Ramos



Apresentação

Dias 21, 22 e 23 de Abril de 1995, no Centro Cultural Português do Mindelo
Dia 01 de Setembro de 1995, no Centro Cultural Português do Mindelo
- Participação no Festival Mindelact 95 -
Dias 28 e 29 de Abril de 1995, no Centro Cultural Português da Praia

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