Texto de Homenagem I

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Por altura do nosso 15º aniversário, alguns amigos escreveram no Café Margoso, textos e comentários sobre o trabalho do nosso grupo. Vamos dar aqui conta de algum destes textos, começando pelo que escreveu o poeta Zé Cunha, cabo-verdiano emigrante em Lisboa.

Caros, João e trupe do Grupo de Teatro do Centro Cultural Portugês

Continuai o bom trabalho, sempre com golpes de audácia, sem pedir licença ou desculpas a ninguém. No entanto atentai, que muitas palmadas nas costas podem esconder furtivas adagas. Sejais mensageiros de boas novas, e muitas cenas. Sendo a nossa terra de muito vento e não pouca poeira, ignorai os grãos de areia com que buscam os ‘Fortinbrás’ turvar ‘a vista da alma’ de alguns incautos. Como disse Ricardo Reis “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.”

Esta é para mim “uma alegria de certo modo incompleta”. Não por ter lágrimas ou cânticos fúnebres, como era o caso em Elsinor, mas por estar apartado do vosso convívio, e da vossa obra apenas me chegar a doce tortura dos rumores, e o silêncio dos aplausos, que aos felizes Mindelenses invejo. Saibam que a lei comum que une os homens é as suas múltiplas fraquezas, e sabendo isto, que não é pouco, sabemo-nos perdoados. Sabeis melhor do que eu, que apenas sofro de melancolia, que não há ingratidão que vença a força de quem, por andar descalço, escolheu o conforto dos caminhos mais difíceis e rigorosos. Que as poucas recompensas, para além do caminhar orgulhosamente a ombro, e no plural, são as feridas, as nódoas negras, e as cicatrizes que sabemos nossas, e por o serem nos fortalecem, e nos lavam a alma. Que o mundo é feito de coisas vis, sabemo-lo todos. O que poucos sabem, ainda, é que esse defeito original é apenas um desafio, uma oportunidade que a natureza nos concedeu para a contrariarmos.

Escrevo-vos, sem nunca vos ter visto em cena, sem nunca vos ter conhecido, sem que entre nós tenha havido outro negócio que não o desta unilateral admiração. Prefiro que assim seja. Acerco-me pois de vós, como diria Horácio, por “capricho de vagabundo”. Mas também por fraqueza de coração e por amor, que tudo o que toca a Cabo Verde me obriga, por dever de gratidão, por capricho de amizade, e por alegria do espírito, ao reconhecimento e à partilha, sem Obrigado’s de circunstância.

Entendei, pois, como quiserdes este gesto. Saboreai este café como vos aprouver, com açúcar de lei, ou simplesmente “margoso” como manda a regra da casa.

Deixo-vos, a ti, João, e à tua trupe, um conselho, e um pedido aos vossos gentis corações vagabundos e saltimbancos.

O conselho, que não é meu (como podia o atrevimento?), ireis colhê-lo à Cena III, do Acto Primeiro, de Hamlet, o de Polónio a Laertes, na despedida, dispensando a mão paternal na cabeça, ou a haver uma, seja ela a vossa sobre a minha. “Fixa na tua memória estes conselhos: Não dês língua…” o resto está lá, lê-o com eles, e como é óbvio, é tanto para ouvir quanto para sentir.

O pedido é bem mais breve. Partilhai. Perseverai. Perseverai sempre na partilha.

“Palavras, palavras, palavras!”? Em tempos de ingratidão, é de justiça que duvideis.
Mas, “Ser ou não ser, eis a questão.”.

E, eu acredito!

    E na cal recrudesce a luz
    com o fulgor de uma aurora dourada.
    No fundo do teu coração habita um céu imenso.
    O que trago na ponta dos meus dedos
    é ainda o calor da tua face.

    Alexadre Cunha


    Ao João Branco e ao GTCCP

    O poema vem de longe com as palavras.
    No dorso do tempo a precária memória
    abrindo sulcos na geografia das pedras.
    É para a luz que o verbo sangra
    inevitável ferida, sopro e voz,
    raiz de fogo subindo à língua.
    Na boca arde ainda o grito
    das cinzas do primeiro canto.

    Alexandre Cunha


José E. Cunha

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