»Os Amantes», sobre a peça

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Apraz-me a ideia de ver o Quarteto de Heiner Müller representado no Mindelact que se aproxima, por uma companhia nacional. Porque será?

Não se exibe ali gente casta mas criaturas que se arrastam rasamente no rasto gosmento de si próprios. Não se exibe o amor. A sedução e a decadência são a carne vã, onde só o esqueleto importa. Tal como o afirma, Heiner Müller exibe a estrutura das relações entre os sexos tal como lhe parecem verdadeiras. Ele nos mostra a natureza de um liame. Não de amor, não de cumplicidade (a cumplicidade que existe entre essas criaturas é uma fatalidade), não de sedução (embora tudo pareça rodar a volta deste factor). A natureza deste liame é a dependência. Heiner Müller apresenta-nos duas criaturas narcísicas, intensamente auto centradas, mas ligados por um laço de dependência atroz. Criaturas sem Deus, que reconhecem no amor uma “ilusão dos criados”, na virtude “uma doença infecciosa”. Criaturas abandonadas a si próprias. Só se possuem um ao outro, mas não passam de desagradáveis espelhos onde se reflecte sua mútua decadência. Presos numa carne podre quando a carne é a única coisa que se possui. O reflexo do vazio que diariamente cresce.

Quando a noite empurra a carne para as luzes vermelhas da cidade, reflectindo tanta diversão e tão pouca alegria, vê-se tantos olhos que se ignoram, presos à carne jovem e bela que o tempo se ocupará de encher de vermes. Vêm-se tantas criaturas inacessíveis, procurando na carne em vez das pessoas, a experiência subjectiva de ser. Ser é ser amado. Seduzo logo existo. Mas os objectos da sedução só possuem a débil existência da novidade. E o nada por dentro continua crescendo, exigindo sua vítima diária para se preencher. Procurando na carne sem face, a repetição abstracta de existência.

A duplicidade solitária dos casais entregue a si mesmos, é algo que me intriga profundamente, todas as vezes que me assalta a insatisfação generalizada com os relacionamentos íntimos que vemos hoje em Mindelo. Ver Valmont e Merteuil entre as nossas ruas, faz-me desejar gritar aos ventos que a natureza do liame entre esses seres que se tocam na intimidade da carne, não pode ser só isso. Faz-me desejar gritar que Heiner Müller estava errado, que o amor existe, a única transcendência necessária. Faz-me querer gritar às duplicidades solitárias que não estão sós, que o amor lhes transcende na mediada em que os une.

Apraz-me a ideia de ver o Quarteto de Heiner Müller em Mindelo. Quem sabe alguém queiri depois gritar comigo.

Caplan Neves




2 comentários:

sad nails disse...

Tenho esperança de um dia ver este vosso espectáculo e depois junto a minha voz à do Caplan!!!Muita merda=Bom espectáculo.

sad nails disse...

Tenho esperança de um dia ver este vosso espectáculo e depois junto a minha voz à do Caplan!!!Muita merda=Bom espectáculo.