Historial: o primeiro Shakespeare

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@ "Romeu e Julieta" (1998) - foto de Cristina Peres

Foi a primeira vez, e essa nunca se esquece.

No dia de Maio de 1998, o GTCCPM estreiava a peça "Romeu e Julieta", de William Shakespeare. Pela primeira vez na história do teatro cabo-verdiano, o maior dramaturgo de todos os tempos «falava» em língua di terra.



Romeu e Julieta

Ficha Técnica

Adaptação e Encenação
João Branco
Assistentes de Encenação
Carla Sequeira e Paulo Cabral
Coordenação na tradução para o crioulo
Mário Matos
Cenografia
João Branco e Paulo Miranda
Figurinos
Anilda Rafael
Desenho de luzes
César Fortes
Som
Anselmo Fortes
Aderecista
António Coelho

Actores / Actrizes

1. OS CARDOSOS DE MONTE SOSSEGO

Ludmila Évora: julieta
Anilda Rafael: sra. Cardoso – mãe de julieta
Manuel Estevão (actor convidado): sr. cardoso – pai de julieta
Nelson Rocha: teobaldo – primo de julieta
Zenaida Alfama: ama – criada da família cardoso
Paulo Cabral: paris – noivo prometido de julieta
Reolando Andrade: abrão – companheiro de teobaldo
Roseno Rocha / João Paulo Brito: companheiro de teobaldo
Nilton Sequeira / Marlon Costa: companheiro de teobaldo

2. OS MONTEIROS DE RIBEIRA BOTE

Flávio Leite: romeu
Paulo Miranda: mercúrio (maior amigo de romeu)
Arlindo Rocha: benvindo (primo de romeu)
Edson Gomes: gregório (amigo de benvindo)
Hélder Antunes: companheiro de benvindo
António Coelho: companheiro de benvindo
Ângelo Gonçalves: pai de romeu
Maria da Luz Faria / Maria Auxilia Cruz: mãe de romeu

3. OS NEUTRAIS

João Branco / José Évora: frei lourenço
Jorge Ramos / João Branco: principe – autoridade local
Dijenira Margarete / Elisabete Gonçalves: rosalina
José Évora / João Paulo Brito: narrador e vendedor


Apresentação

Dias 30 e 31 de Maio e 5, 6 e 7 de Junho de 1998, no Centro Cultural do Mindelo
Dias 7, 8 e 9 de Maio de 1999, no Grande Auditório do Teatro Rivoli (Porto)
- Participação no Ciclo Morrer D’Amor -


A CONFIRMAÇÃO DE UM PERCURSO
De Corpo e alma
Ou o Diabo os leve a ambos

Texto inserido no programa da peça «Romeu e Julieta»


"Shakespeare, de quem não há dúvida era o mais dotado autor inglês e talvez o maior dramaturgo de toda a história do teatro, escreveu em inglês, para os ingleses da era isabelina e cremos, sem pensar muito na posteridade ou de que algum dia pudesse ser traduzido e adaptado no crioulo de Cabo Verde (oxalá um dia o seja!)"

Leão Lopes in "O que poderá ser o teatro cabo-verdiano no futuro" edição Revista Mindelact nº0, pag.27, jan-jul 97


O Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo gosta de arriscar. Basta ver o seu historial. Depois de Albert Camus, Oscar Wilde, Victor Hugo e Garcia Lorca chegou a vez do unanimemente considerado o maior dramaturgo da história do teatro: Willian Shakespeare e daquela que é, porventura, uma das suas obras mais populares e mais adaptadas ao longo dos tempos: Romeu e Julieta. Apesar das velhas e gastas discussões sobre se perde desta forma o nosso teatro a sua identidade cabo-verdiana - nós sempre defendemos que não - este tem sido por agora o caminho escolhido pelo grupo e com o mais importante dos resultados: salas cheias, pessoas satisfeitas, risos e lágrimas, sinergia comum entre quem está no palco e quem assiste aos espectáculos.

Teatro de qualidade sempre foi o nosso desafio. Se é verdade que os nossos parâmetros e exigências próprias tem aumentado, o público, o nosso público, em crescendo e reconquistado a cada nova estreia, (e já lá vão 17 produções) sempre foi e sempre será soberano. A conclusão de que determinada aposta foi ganha nunca será feita por nós, parte interessada, e cuja análise do objecto artístico nunca poderá ser desinteressada e desligada do sentimento generalizado de que tudo foi feito para ser apresentada uma obra no mínimo interessante e cativante. Essa análise sempre foi e sempre será feita pelo outro lado. O público. E este, perdoem-me os fundamentalistas que insistem numa retórica que chega a ser intelectualmente desonesta, tem-nos dado carta branca para continuar. É o que faremos enquanto se mantiver acesa esta paixão que todos os membros deste grupo sentem pelas artes dramáticas, enquanto que os actores e actrizes que todos os anos "lançamos" nesta aventura mostrarem o talento e a coragem que evidenciam, mais uma vez, neste espectáculo.

Esta é uma adaptação moderna do texto shakespeareano, não se tendo procurado uma boa adaptação da peça, no sentido de manter a fidelidade absoluta à concepção original, mas sim rever e transpor a história para os tempos modernos, através de uma linguagem teatral que as novas gerações possam absorver mais facilmente.

De qualquer maneira, a grande maioria das palavras usadas na peça, são directamente originárias da pena genial do dramaturgo inglês. Os diálogos e monólogos, cuidadosamente traduzidos para o crioulo pelo Sr. Mário Matos, foram respeitados (e como ficam belos muitos excertos de Shakespeare traduzidos e falados em crioulo!). A adaptação sofreu alguns cortes, resultado de uma necessidade de modernização do texto original e de um maior ritmo e pulsar da peça, mais ao estilo dos frenéticos anos 90. Mas é curioso verificar como todo o texto que fica, apesar de escrito há mais de duzentos anos, se mantém actual. Aqui, a universalidade, não é só espacial mas também temporal, o que comprova a genialidade do autor.

Mindelo dos anos noventa e a sua juventude são retratados como a vemos hoje todos os dias. As suas guerras, as suas paixões, as suas roupas (predominância absoluta para o branco e preto), os seus tiques. A influência da cultura anglo-saxônica, mormente norte americana, bastante vincada na nossa juventude de hoje, principalmente do Mindelo, está presente ao longo do espectáculo. O sentido de humor e a fina ironia, que pensamos ser uma das mais peculiares características do cidadão do Mindelo, assim como de muitos textos de Shakespeare, estão também presentes ao longo de todo o espectáculo, em muitos dos personagens e em várias das peripécias ao longo do desenrolar da história, que de qualquer forma, mantém o seu cunho extremamente dramático.

A história é a mesma de sempre. Amantes de famílias rivais, neste caso oriundas de dois bairros do Mindelo, - Ribeira Bote e Monte Sossego - o amor impossível e a tragédia final. No fundo é também, e de certa forma, o exacerbar do amor físico. Romeu desiste do amor de outra, e ambos se entusiasmam pela mera aparência um do outro, numa cena que se poderia passar (quantas vezes se passa…) na nossa Praça Nova, num sábado à noite.

O romantismo que hoje é assumido pelos jovens de forma superficial e ligeira, quase leviana, por vezes com grandes distâncias entre o que se diz e o que se faz na vida, tem nesta história um tratamento o mais sincero possível. Acreditamos que o verdadeiro romantismo, e que paira latente e envergonhado sobre as nossas cabeças, se possa revelar nos corações adormecidos de quem vir esta história de amor, do nosso Romeu e da nossa Julieta, jovens cabo-verdianos, sem preconceitos nem medos de sentir a magia do verdadeiro amor vivido. De corpo e alma, ou o Diabo os leve a ambos.

Maio 98 / João Branco

MÁRIO MATOS – COORDENADOR NA TRADUÇÃO PARA O CRIOULO

Escrever em crioulo não é fácil. Mas também não é difícil. Tudo depende do assunto a tratar.

No caso de "Romeu e Julieta", não foi fácil. É uma peça teatral daquele que foi o maior poeta dramático da Inglaterra – Willian Shakespeare.

A dificuldade era passar para o crioulo uma peça dramática, traduzida do inglês para o português. Era preciso manter todo o dramatismo que Shakespeare pôs na sua obra. Esta é que foi a maior dificuldade.

De parabéns está o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, no prosseguimento desta nova forma de fazer teatro.

Maio 98 / Mário Matos

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