O Mundo do Teatro em Cabo Verde

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Um artigo de Germano Almeida

O Mundo no Teatro em Cabo Verde
a propósito da estréia do espectáculo «Romeu e Julieta»

Se o isolamento em que vivemos ao longo dos séculos teve a vantagem de fazer com que Cabo Verde funcionasse com uma espécie de laboratório onde diversas raças e culturas se viram em forçado e estreito contacto e na maioria do tempo irmanadas pelas grandes tragédias que eram as secas que assolavam as ilhas, mas acabando por surgir desse convívio essa particular forma de estar e de ver o mundo a que chamamos cabo-verdianidade, também não podemos negar que esse mesmo isolamento é igualmente responsável por não poucas perniciosas formas de encarar a vida que acabamos alcandorando como apanágio do ilhéu, quando na verdade mais não são que a auto-suficiência de quem eternamente vive com os olhos no próprio umbigo.

Por mim sempre achei que essa ausência de contacto com o exterior, essa infelicidade de não termos que nos comparar e muito menos concorrer, tinha a suprema desvantagem de nos fazer continuar fechados nessa torre de basofaria nacional que afinal das contas é uma das principais responsáveis por atrasos a muitos e diversos níveis que recusamos reconhecer simplesmente porque isso fere o nosso incomensurável orgulho.

Ora o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo teve o mérito de trazer pelo menos duas coisas, não apenas ao teatro cabo-verdiano, mas também à nossa sociedade em geral: primeiro, a humildade, a seguir, a percepção de que o mundo não se esgota em nós mesmos.

Essa humildade não é senão decorrência de uma abertura a outras formas de sociedade e de cultura que acabam fatalmente por se interpenetrar com a nossa pelas formas mais diferentes, mais especificamente neste caso através de adaptações de obras literárias de grandes autores que a Humanidade conheceu e que, interpretadas à luz da realidade destas ilhas e usando com instrumento o crioulo, nada perdem da sua graça e magia, mas pelo contrário como que ganham um fôlego renovado. Duas delas me marcaram particularmente: «A Casa de Nha Bernarda» e «Romeu e Julieta». Onde quer que se encontrem, tanto Garcia Lorca com Shakespeare devem ter-se sentido honrados ao verem-se adaptados e representados em crioulo de Cabo Verde.

Germano Almeida – Maio de 97

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