Próxima estreia: "O Doido e a Morte"

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"O Doido e a Morte" estreia no dia 22 de Fevereiro
Apresntações dias 22, 23 e 25 de Fevereiro
Centro Cultural do Mindelo (Pátio)

Um Governador Civil que não gosta de trabalhar e passa o tempo a escrever peças de teatro irrealizáveis; um Milionário Louco que o visita com uma bomba numa caixa de madeira, prometendo trazer a Morte daí a 20 minutos, numa explosão que não poupará nada nem ninguém no raio de muitos quilómetros. Este é o ponto de partida da peça "O Doido e a Morte" de Raul Brandão. Uma nova produção do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo que promete ousar e não deixar ninguém indiferente.

"Quando li esta peça pela primeira vez, fiquei muito interessado. E o entusiasmo está a crescer com os ensaios, porque dito pelos actores o texto é ainda mais imponente. É um texto de uma qualidade imensa", conta o encenador João Branco. "Basicamente, a situação é muito simples: dois personagens, um poderoso, porque é Governador, calmamente instalado no seu gabinete climatizado, o outro, que entra e instala uma bomba super potente, anunciando com a maior calma do mundo que passados alguns minutos, irá tudo pelos ares. Querem situação mais actual do que essa?", questiona. "É um texto cruel, seco e implacável, perfeitamente adaptável aos tempos modernos, aliás como a própria situação criada comprova, dada a sua triste actualidade."

Quanto a outros pormenores, relativamente ao estilo de encenação, figurinos, cenografia ou adereços, o encenador prefere deixar tudo como está, ou seja, no segredo dos deuses. O único e importante «pormenor» é o facto de ser apresentado no pátio do Centro Cultural do Mindelo e não no tradicional auditório. "Quisemos experimentar um espaço alternativo. Com a crise de espaços cénicos que temos no Mindelo, queremos não só começar a procurar alternativas, como também mostrar que uma sala climatizada e bem equipada não é a única solução para quem quer fazer teatro. Há que se procurar fazer o melhor possível, com o pouco que se tem", defende o encenador.

Mas uma coisa promete: "as pessoas vão ficar surpreendidas. Podem até nem gostar do que vão ver, mas ninguém vai ficar indiferente. Procuramos dar ao espectáculo uma resposta que conseguisse estar à altura do fortíssimo texto de Raul Brandão. Era o mínimo que podíamos fazer.", enfatiza João Branco.

Com encenação e cenografia de João Branco e figurinos de Elisabete Gonçalves, a peça tem Paulo Santos e Luís Miguel Morais nos principais papeis, com uma participação especial de Sílvia Lima e do próprio João Branco, que reaparece nos palcos como actor depois de alguns anos de ausência. A apresentação no Mindelo acontecerá nos dias 22, 23 e 25 de Fevereiro (quarta. quinta e Sábado). Poderá ser vista na cidade da Praia, no decorrer do mês de Março - mês do Teatro, com duas apresentações em datas a confirmar.

A peça "O Doido e a Morte" foi classificada pelo teatrólogo Luiz Francisco Rebello como "a mais singular e genial obra dramática do século XX português". Estamos perante uma obra que deixa transparecer um sentimento do absurdo ligado ao grotesco gerado pela discrepância entre a realidade e o sonho, entre a grandeza e a abjecção, entre a morte que é a vida e o sonho da eternidade. Nada podia ser mais actual.

Considerada uma pérola da história da dramaturgia portuguesa - e em língua portuguesa - "O Doido e a Morte", é uma farsa existencial, onde talvez faça sentido falar de expressionismo, por se tratar da revolta de um indivíduo perante a crueldade, a incongruência, a abjecção do mundo moderno e porque a obra de Raul Brandão está cheia de «gritos» que fazem com que tenhamos sempre presente o quadro de Edward Munsch, «O Grito».

Segundo José Oliveira Barata, em "O Doido e a Morte", o que permanece é a impotência humana, o pessimismo ainda simbolista porque inútil e sem saída.

Raul Brandão (1867-1930)

Nasceu no Porto (Foz do Douro), em 1867, no mesmo ano literariamente auspicioso de António Nobre e Camilo Pessanha. Figuras maiores do simbolismo português, eles serão também, em momentos diferentes e por vias estético-literárias divergentes, referências absolutas para a literatura portuguesa do século XX.

Húmus, a obra-prima de Raul Brandão, ocupa um lugar à parte na história da ficção portuguesa: é um livro que se subleva contra a estruturado romance tradicional, introduzindo processos inovadores que o projectam muito para além do horizonte estético do seu tempo. Por isso, nem sempre beneficiou de uma recepção crítica que estivesse à altura de o julgar, apesar da sua assinalável repercussão num meio literário restrito.

Considerado em sentido lato como um escritor de desinência pós-naturalista ou, numa perspectiva comparatista, como um escritor “de transição”, Raul Brandão pôs radicalmente em causa as concepções estéticas vigentes na sua época, por uma vontade de ruptura indissociável da intensa vocação indagadora que sustenta a singularidade do seu projecto estético. Abolindo a oposição entre prosa e poesia, subvertendo as categorias genéricas, desvalorizando os elementos convencionais da narrativa, a ficção brandoniana antecipa as experiências mais inovadoras efectuadas no âmbito da narrativa contemporânea.

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